Hilda: a professora dançarina que se encantou.
Dia 27 de junho de 2021, à noite, recebi a notícia que a nossa querida Hilda Lontra havia se "encantado" (nas palavras de Guimarães Rosa), "expirou" (nas palavras de Machado de Assis). Hilda foi uma de minhas professoras preferidas em minha graduação em Letras e provavelmente de muitas outras pessoas também. Por que Hilda era tão querida? Ela era a sapiência em pessoa, o amor e a generosidade materializados.
Em sua aula de modernismo, tivemos contato não só com os três famosos heterônimos de Fernando Pessoa, mas com a narrativa magnífica que somente quem vivia a literatura, e não apenas estudava, podia nos passar. Lembro dela contar sobre os 108 heterônimos de Fernando Pessoa, lembro dela me apresentando a grandiosidade de Floberla Espanca, foi quando conheci Ana Cristina Cesar e compreendi a grandiosidade de Elisa Lucinda.
No dia que fui apresentar meu seminário, fiquei muito nervosa, lembro de dizer para ela que ficava muito sem graça em falar para ela, por entender a grandiosidade dela enquanto professora e intelectual. Ela ficou ofendida: "como assim, Sinarinha? eu te oprimo?". Ficou tão chateada, pois ela não entendia como eu a enxergava, hoje eu compreendo o que ela sentiu. Hoje, como professora, sei o que é achar que está oprimindo seu aluno, mas ela não me oprimia, ela me fez enxergar a minha criatividade e a minha grandiosidade, porque ela era grande em seu próprio fazer cotidiano.
Fiz a disciplina de Hilda com uma amiga, Clarice, que tocava piano. Eram vizinhas. Clarice um dia comentou que achava que ela era a "velhinha" (ela já tinha mais de 60 anos quando me deu aula, mas seguia jovial, apesar de o médico a ter obrigado a parar de fumar hehe, o poema Tabacaria de Pessoa era um gatilho, ela dizia hahaha, falava do poema em imagens, era incrível!) que ficava na janela do outro prédio dançando quando ela tocava. Então, eu disse a Clarice: "vamos perguntar a ela". No final da aula, fomos nós duas, em nossos 20 anos, perguntar a grande mestra se era ela que dançava ao tocar de Clarice, ela respondeu: "é você que toca com tanta formosura? que maravilha, minha querida, eu sempre danço ao te escutar" e dançou para nós em sala de aula. Essa é a imagem que levo de Hilda, dançando!
Dançando com as palavras em sala de aula em sua magnitude do professorar.
Dançando nos cursos de formação de professores e revisores em sua sistematização do trabalhar.
Dançando na varanda de casa ao tocar de Clarice.
Hilda dançou em vida e nos ensinou a dançar. Foi uma honra tê-la como professora, como colega de trabalho e como parceira de dança.
Hilda está presente em minhas aulas, em minhas narrativas e em meu dançar.
Agora ela dança no céu do pensar.
Espero que tenha se encontrado com a minha mãe, com Ana Cristina Cesar, com Elis Regina, com Florbela Espanca e com Fernando Pessoa e suas inúmeras pessoas. Estão todos dançando juntos!
Gratidão, minha querida professora, Dra. Hilda Lontra.
Inté!
Comentários
Ela era demais mesmo!